27 de abr. de 2016

Governo quer copiar modelo de MG para presídio de Ceará-Mirim



O secretário de Justiça e Cidadania do RN, Cristiano Feitosa, visitou no início da semana as instalações do Complexo Penitenciário Público Privado, em Minas Gerais, primeiro presídio do país a adotar o regime de cogestão entre o Estado e a iniciativa privada. Feitosa afirmou estar "impressionado" com a estrutura e vê possibilidade de trazer para o RN o modelo de cogestão já para o Centro de Detenção Provisória que está previsto para ser construído em Ceará-Mirim. Apesar disso, o modelo de privatização causa discordância entre estudiosos e o Conselho de Direitos Humanos.
 
A unidade mineira foi inaugurada em 2013 na cidade de Ribeirão das Neves para ser modelo de gestão nacional penitenciária. A visita de Feitosa ao Complexo PPP se deu por conta do interesse do Executivo Estadual em terceirizar a administração carcerária. Segundo o próprio titular da Sejuc já informou ao NOVO, ele é a favor de firmar parcerias com empresas para a execução dos serviços, com a intenção de “otimizar e desbu-rocratizar” os processos dentro dos estabelecimentos prisionais.
 
A visita ao Complexo aconteceu na segunda-feira passada, e ontem o secretário foi até uma Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) também no estado de Minas Gerais. Esta última unidade funciona sob uma metodologia diferente, que se propõe mais humanizada e eficaz na ressocialização. No RN, há uma Apac funcionando. em Macau.
 
Essas unidades são operadas em parcerias entre o Estado e associações e, por isto, são consideradas por Cristiano Feitosa uma forma de cogestão do sistema. A diferença entre a Apac e a Parceria Público-Privada (PPP) é que a primeira não tem fins lucrativos.
 
A Apac que Feitosa foi em Minas fica na cidade de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte. A Associação de Proteção é a que abrigou o goleiro Bruno, suspeito do homicídio contra Eliza Samúdio. O estado de Minas possui mais de 30 Apacs instaladas.
 
Já o Complexo PPP de Ribeirão das Neves foi construído e é administrado por uma empresa terceirizada pelo Executivo, através de Parceria Público-Privada. Há ainda outra maneira de firmar essas parcerias, quando o presídio já existe e passa a ser gerido por uma empresa. Porém este não é o caso do complexo de unidades mineiro.
A unidade tem três anos de funcionamento e é considerada, pelo governo de Minas, uma referência nacional no uso da tecnologia para garantir a segurança de todos os envolvidos no ambiente prisional.
 
De acordo com a assessoria de comunicação do governo mineiro, a associação de recursos tecnológicos com a ressocialização é considerada como a essência do contrato PPP de Minas. Proporcionalmente à popu-lação carcerária, ainda segundo a assessoria, o complexo penitenciário é o que possui o maior número de câmeras de vigilância do mundo (1.240, ao todo).
 
A comunicação do governo diz que há ainda o sistema de sensoriamento de presença, que permite a demarcação dos espaços nos quais não pode circular nenhuma pessoa. No caso desse descumprimento, um alarme é disparado. Além disso, todos os comandos de abertura e fechamento das grades das celas e demais portas são feitos por uma central de monitoramento, não havendo contato manual.
 
Para evitar as fugas de presidiários, um dos maiores problemas atuais do sistema carcerário do Rio Grande do Norte, a unidade de Ribeirão das Neves foi projetada de maneira a coibir investidas dos apenados.
 
Segundo informações da agência do Governo, o chão de cada cela possui 18 centímetros de concreto, uma chapa de aço de meia polegada e mais 11 centí-metros de concreto.
 
Os vasos sanitários e bebedouros, segundo a assessoria do Executivo, também foram projetados para evitar que se escondam drogas e outros materiais ilícitos nesses locais e funcionam por sucção automática.
  
“Não vi sequer uma parede riscada”
 
Cristiano Feitosa conversou com o NOVO depois de visitar a unidade de Ribeirão das Neves e afirmou estar “impressionado” com a estrutura de lá. Ele conta que o Complexo PPP possui três unidades que abrigam hoje 2.026 presos. O custo do detento é em torno de R$ 3.200, e o pagamento do Estado à empresa é por cabeça. “Não vi sequer uma parede riscada”, disse.
 
Segundo ele, a higiene no local é “impecável” e há oficinas em que os presidiários aprendem a pintar quadros, entre outras atividades. Ainda de acordo com Feitosa, em três anos de funcionamento o Complexo registrou só uma fuga. “Eu achei muito melhor do que o presídio federal, que já é coisa de primeiro mundo”.
 
O secretário da Sejuc relatou que o Complexo dispõe de clínicos gerais, psiquiatras, enfermeiros, farmacêuticos, técnicos de enfermagem e todos os serviços de saúde que os apenados têm direito. “É impressionante mesmo! Os presos conversavam, não olhavam com vergonha, medo ou agressividade, como se vê em algumas unidades. Faziam questão de mostrar o trabalho que desenvolviam”, exclamou.
 
Feitosa disse que os presos ainda realizam serviço de costura de bancos de couro para diversas montadoras. “Eu vi uma luz queimada em um painel de monitoramento de câmaras e portas, que são todas eletrônicas, e eles abriram um registro na mesma hora. O diretor público (tem um publico e um privado) disse que a empresa tem 6 dias para consertar senão é multada”.
 
Questionado se somente os presos de bom comportamento são levados para o complexo penal e sobre a presença das facções organizadas dentro das unidades, Feitosa respondeu que detentos de todos os graus de periculosidade estão alojados no PPP, e que, dentre as organizações, só não há membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) por lá. “Das demais tem todas”, conta.
 
Com relação aos custos para o Estado, o secretário diz que a cogestão custaria menos do que ele imaginava. “Nunca foi feito um estudo especificamente sobre o custo de cada preso no RN. Mas a média nacional é em torno de R$ 2,8 mil a R$ 3 mil. Então a Parceria Público-Privada é mais barata do que imaginei”, comentou o titular da Sejuc. “O pessoal do jurídico relatou apenas a complexidade da licitacao e do contrato. Houve questionamento do MP e parece que fizeram acordo judicial para reduzir o valor”.
 
Cristiano Feitosa diz pretender traçar alguns projetos no Rio Grande do Norte em sistemas semelhantes ao que viu em Minas Gerais. Quando perguntado sobre que modelo se enquadraria melhor o sistema potiguar, o titular da pasta de Justiça e Cidadania afirmou que poderia haver parcerias em duas frentes.
 
“Eu acho que Ceará-Mirim deveria iniciar com cogestão. Alcaçuz só daria certo se fosse uma PPP (quando a empresa constrói e administra). A empresa construiria mais dois pavi-lhões, acabaria com a superlotação de lá, recuperava o que tivesse que recuperar, e administraria tudo. Mas confesso que tenho receio de investir muito dinheiro naquela área. Tenho a impressão de que seria melhor construir esses pavilhões em outras áreas. Se tirarmos 600 presos em Alcaçuz, que é o excesso de lá, os problemas reduzem drasticamente”, declarou.
 
Especialista discorda de privatização 
 
“Quando privatiza, o Estado está confirmando que não consegue mais dar conta”. 
 
A afirmação é do professor Francisco Augusto Araújo, especialista em segurança e sistema prisional, que diz ser contra os modelos de cogestão, por acreditar que, se o Estado não tem força para resolver a situação das penitenciárias, uma empresa não resolveria o problema. Para ele, a terceirizada não vai se preocupar com a devolução dos apenados para a sociedade, visto que lucra mantendo-os encarcerados. “O mercado está preocupado com o lucro”.
 
Quem também critica a inserção da iniciativa privada no sistema penitenciário é Marcos Dionísio Caldas, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos. Segundo ele, chegou ao conhecimento do conselho que o Executivo recebeu uma proposta de permuta por parte de uma empresa interessada no terreno do Centro de Distribuição (Ceasa). A proposta, de acordo com Dionísio, seria mais vantajosa economicamente. Ele diz que a proposição foi a seguinte: a empresa ficaria como terreno da Ceasa e em troca conseguiria outro local para funcionamento do Centro de Distribuição e ainda construiria mais três unidades prisionais. “Isso aí, somado à unidade de Ceará-Mirim, daria para equacionar o déficit”, opina. Ainda de acordo com Dionísio, o Governo sequer teria estudado a possibilidade dessa permuta, por motivos desconhecidos.
 
O professor Francisco Augusto Araújo diz também que em outros lugares onde se adotou o modelo de gestão privada o problema da segurança pública, que segundo ele tem total relação com o sistema penal, não foi resolvido. “Nos Estados Unidos, por exemplo, esses maquiam, mas ainda têm os mesmos problemas”, exemplifica, citando que a população carcerária dos EUA é a maior do mundo.
 
“Privatizar o sistema é lavar as mãos”, critica Francisco Augusto Araújo. Para o professor, ao repassar a administração para uma empresa, o Estado se exime de culpa sobre o que venha a acontecer nas unidades.
 
“O problema maior é o esforço para que as penas sejam com privação de liberdade, porque o sistema privado lucra com mais gente lá dentro”, argumenta Araújo. O pesquisador levanta a possibilidade de o Judiciário sofrer influência do sistema e tender as penas dos acusados para a aprovação de liberdade.
 
De acordo ele, como atualmente já há determinação para liberação de suspeitos por falta de vaga, uma demanda maior de espaço vinda da iniciativa privada, por motivos de lucratividade, pode influenciar os magistrados a prender cada vez mais gente. “Ao invés de punir melhor, eles vão punir mais”, diz.
 
Araújo também defende que é preciso que a sociedade apoie investimentos no sistema penal, pois ele afeta diretamente na segurança pública. “Não vemos os nossos políticos levantando essa bandeira de investir no sistema. Alguns levantam a da educação, outra da saúde. Nenhum do sistema penitenciário”, critica.
 
Na opinião do professor, é preciso um plano de recuperação do sistema, que se estabeleça a execução desse plano para anos à frente, pois, segundo ele, somente depois disso os resultados virão.

#Com informações do Portal No Ar